Ferretti dá vida à trans Paula a partir de março
“Terça no Hiper”, que estreia no dia 15 de março, às 21h30, na Sala Experimental do Teatro Augusta, dá vida a uma filha trans que tem como desafio a convivência com seu pai. Após a morte da mãe e muitos anos sem contato com ele, a moça decide retomar a relação para tomar conta do pai, já um homem idoso. Todos aqueles que aparecem na história são apresentados pela memória de Paula de forma narrativa, mas carregados pelo tom da fala dessas pessoas. A retomada da convivência com o pai e o reencontro com os moradores da cidade, personagens de sua história já esquecida, colocam Paula em confronto com as sombras do seu passado.
O ator Fábio Ferreti vai enfrentar o desafio de interpretar a transexual, que, para deixar a história ainda mais profunda, não conta com o apoio da família para viver a vida que escolheu para si. Ele é Paula, protagonista da peça francesa inédita no Brasil “Terça no Hiper” (Le Mardi à Monoprix), do dramaturgo francês Emmanuel Darley. O Mix conversou com ele sobre a montagem do espetáculo e os desafios de encarar um personagem transexual.
O espetáculo estreia na próxima sexta-feira, 15 de março, na Sala Experimental do Teatro Augusta, que está em uma região que é conhecida por ser o centro da diversidade paulista. O que você espera da reação do público que vai assistir “Terça no Hiper”?
Uma reação de acolhimento. Acredito que um dos maiores méritos do texto é como ele apresenta a questão da diversidade. Está diversidade é fundamental para o desenrolar da história, porém os questionamentos e conflitos das personagens são vivenciados por todos nós, independente de quem somos, do que fazemos, de onde estamos. Se você teve, tem ou não tem um relacionamento com seu pai, você poderá se identificar, independente da sua cor, tribo, gênero, religião, etc.
Você chegou assistir o espetáculo na França? O texto foi transportado para a realidade brasileira, ou não houve a necessidade?
Não. Infelizmente não. Mas gostaria de ter visto a montagem inglesa que estreou no festival de Edinburgo. Houve poucas alterações no texto, o que não chega a ser uma transposição. O texto em francês faz várias referências a uma rede de supermercados de lá, o Monoprix. Uma rede comum em toda a frança. Infelizmente não temos uma rede aqui no Brasil deste porte, então preferi generalizar com o termo HIPER, o que possibilita uma identificação em qualquer lugar que por ventura o espetáculo seja apresentado. A outra grande referência do texto é a cidade grande, onde Paula, vive e a cidade do pai. No texto não há referência de que cidades seriam estas. O importante é o tamanho delas e o comportamento dos indivíduos nelas perante o diferente. Desde modo não houve uma necessidade de transposição para uma determinada cidade ou cultura local.
Você fez algum laboratório para a personagem? Você se inspirou em alguém para compor os elementos da persona travesti?
Vi alguns filmes e séries onde transexuais e os travestis estão presentes. Este trabalho de pesquisa foi importante para criar a personagem e nos fez ter certeza maior na necessidade de realizar este espetáculo. Em raras destas obras a relação do travesti ou transexual, próximo da terceira idade, como seus pais é mostrada. Há referencia muito boas nas relações dos pais com os filhos, como em Transamerica e na série inglesa Hit & Miss, porém pouco ou nada se fala da relação com o pai. É claro que tem várias destas obras que focam no momento do “Outing ” da personagem, que não é o caso do nosso espetáculo. Paula está por volta dos 50 anos, não há mais questionamentos do que fazer, como fazer, por quê fazer? O questionamento é como é a relação desta filha com o seu pai que tantos anos depois ainda não consegue enxergá-la.
A cenografia, de Oswaldo Gonçalvez, tem uma proposta simbólica de não retratar um espaço especifico. Por ser um texto francês, você acredita que o cenário colabora para uma proximidade maior entre o que é vivido pela personagem e a plateia?
Sim, definitivamente. O espaço do espetáculo é o “não-espaço”. Representa o exato momento vivido pela personagem e colocá-la em qualquer espaço determinado seria limitador e não ajudaria a contar a história dela.
Qual é o desafio que este personagem te propõe, diferente de outros personagens que você já interpretou?
O grande desafio é entender as sutilezas da fragilidade humana. Paula é uma mulher forte, decidida e sem culpas, porém dotada de uma grande carência. Está carência e o amor que são partes intrínsecas do seu ser, transparecem através de uma fragilidade. O grande desafio é destrinchar este ser internamente. O externo da personagem me ajuda a buscar estes caminhos.
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