Depois de patrocínios negados, espetáculo "Tem alguém que nos odeia" recebe doações para chegar aos palcos
O espetáculo “Tem alguém que nos odeia” aborda a relação privada e amorosa de duas mulheres, Maria, brasileira, e Cate, estrangeira, que decidem morar juntas em São Paulo. Dentro do antigo e decadente apartamento herdado por Maria, elas vivem em conflito, com suas histórias e culturas diferentes que provocam atritos constantes e comuns a qualquer relação já desgastada pelo tempo. Em meio a esse ambiente conflituoso, a violência e o terror batem à sua porta invadindo seu lar. Obrigadas a enfrentar agressões físicas e psicológicas de algum homofóbico do prédio, ele se torna um inimigo invisível e constantemente presente.
O texto escrito em 2011 por Michelle Ferreira foi finalista do “Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antônio José da Silva (2011)” em parceria entre a FUNART e o Instituto Camões. Tudo estava certo que seria fácil arrumar um patrocínio e apoiadores para uma produção já premiada. Mas não foi isso que aconteceu. Nenhuma instituição privada procurada está disposta em patrocinar a peça “Tem alguém que nos odeia”. Foi quando a atriz e produtora Ana Paula Grande arregaçou as mangas e foi a luta de um patrocínio coletivo. Ela explica como é o projeto e a saga de levantar a verba necessária para colocar a obra nos palcos.
Você apresentou o texto para diferentes empresas. Quais foram as justificativas que estas empresas deram para não patrocinar?
Ela foram evasivas, na verdade nunca foram diretas. Quando a gente chegava no ponto principal da peça, que é a homofobia, as empresas geralmente diziam que não queriam falar sobre o assunto, ou que neste ano vão patrocinar cinema. Na verdade, as empresas estão preocupadas com textos comerciais, não com o tema proposto. Sabemos que a homofobia é um tema relevante para a sociedade, questionar o porquê ela ainda não é crime é urgente. Mas, ainda, estas instituições preferem produções que lucrem.
Como o texto aborda o tema?
O texto é lindo, muito delicado. Conta a história de duas mulheres que vivem juntas em um apartamento, durante o enredo elas começam a ser persseguidas por um vizinho homofóbico e chegam a ser agredidas. O espetáculo não tem cenas de duas mulheres se pegando, peladonas. Ou seja, vamos atingir um público que vai ao teatro, em muitos casos, que não está interessado na causa LGBT.
Você chegou a pedir patrocínio para ONGs LGBTs?
Muitas. Esta semana cheguei mandar e-mail para 300 instituições não governamentais, apenas três me responderam. Uma disse que não tinha dinheiro, outra foi mais direta ainda falando que eu sou louca de pedir dinheiro para uma ONG, a última foi bastante interessante; ela disse assim no e-mail: “o silêncio é uma forma de discriminação”, eu pergunto: “esta última instituição leu meu e-mail explicando o que é a peça, qual mensagem ela quer passar?” Eu não posso ficar calada, o espetáculo tem que acontecer, é de relevância para a sociedade. Resolvi colocar o projeto no Catarse.
E como você conheceu o Catarse?
Eu fui para Europa de lua de mel com meu marido, não sou gay, sou casada com um homem. Lá, visitei vários concertos e peças. Quando eu lia os panfletos dos espetáculos, via o nome de várias pessoas que patrocinaram aqueles projetos e mostrei para meu esposo. Depois, no ano passado, fomos para os Estados Unidos, e lá também se passava a mesma coisa. Quando voltei para o Brasil, procurei algo parecido e cheguei ao Catarse. É maravilho, já que lá as pessoas podem doar em projetos a partir de temas que lhes agradam, não visando se o projeto vai dar lucro ou não. Uma amiga conseguiu juntar 30 mil reais para seu monólogo pelo Catarse. A equipe deles é fantástica, eu cheguei desesperada para mostrar meu projeto, já pensando: “Se eu conseguir mil reais, eu faço a peça em uma praça pública”. Chegamos em um valor minimo de 25 mil reais para colocar o espetáculo dois meses em cartaz.
Vocês já tem um teatro fechado para exibir a peça?
Temos sim. Será no Teatro Augusta, no palco experimental. Eles até me disseram que caso a gente consiga um bom resultado, conseguimos ficar em cartaz até três meses. O Sesc, como está preocupado com a temática e não com o lucro, como as empresas, já disse que também está interessado em exibir nosso espetáculo, mas a gente precisava enviar um vídeo do espetáculo. A gente não tinha dinheiro para ensaiar, quanto menos para pagar a diretora.
Você disse que não é gay. Qual o interesse tão grande em um espetáculo com temática LGBT?
A gente faz teatro desde os 10 anos de idade. 90% dos nossos amigos são gays e desde a minha adolescência vejo estes mesmos amigos sofrendo por serem gays, vários amigos na escola eram afeminados e não conseguiam ter amigos. Agora, fiz 30 anos, e quero ter um filho e não quero que ele viva em um mundo assim, não quero que ele sofra e este projeto é o que me faz ter força.*
Caso queria contribuir para o projeto "Tem alguem que nos odeia", ou conhecer o Catarse, acesse aqui e saiba como doar. Em cena estão as atrizes Bruna Anuarte e Ana Paula Grande, cenografia de Pedro Henrique Moutinho, hair e make up de Dicko Lorenzo e direção de José Roberto Martins.
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